O que aconteceu em Espanha para causar tantos estragos?
Uma depressão isolada em altitude tem vindo a ser causadora de fenómenos extremos em várias partes de Espanha, principalmente na região Sul. Mas afinal, o que é uma depressão isolada em altitude?
DANA, ou Depressão Isolada em Níveis Altos, é um fenómeno meteorológico que ocorre quando uma massa de ar frio se desprende da corrente de jato (uma corrente rápida de ar que circula na alta troposfera) e se instala a grande altitude sobre uma região. Este fenómeno provoca condições meteorológicas extremas, como chuvas intensas e persistentes, que podem resultar em inundações, deslizamentos de terra e danos em infraestruturas.
Durante o processo de formação de uma DANA, a massa de ar frio e seco move-se a partir de latitudes mais altas e encontra ar quente e húmido vindo do Mediterrâneo. Esse encontro cria uma instabilidade significativa na atmosfera, levando a um forte contraste de temperaturas. A interação entre o ar quente e o ar frio resulta na subida do ar quente, que se condensa ao atingir altitudes mais frias, formando nuvens de tempestade capazes de gerar grandes volumes de precipitação em curtos períodos. Essas condições são agravadas quando as águas do mar Mediterrâneo estão mais quentes, o que, no momento atual, é uma realidade.
Um Complexo Convectivo de Mesoescala (CCM), como o ocorrido em Espanha, é um sistema de tempestades organizado e de grande dimensão, com duração prolongada, que frequentemente se associa a fenómenos atmosféricos intensos como uma DANA (Depressão Isolada em Níveis Altos). A DANA cria condições atmosféricas ideais para a formação de CCMs, pois fornece uma massa de ar frio em altitude que entra em contacto com o ar quente e húmido próximo da superfície. Este contraste térmico é essencial para gerar instabilidade atmosférica intensa e sustentar correntes de convecção vigorosas.
A configuração de ventos divergentes em altitude, típica de uma DANA, promove a evacuação de ar das células convectivas, permitindo que o ar quente continue a subir. Este processo sustenta o sistema convectivo, dando origem a um complexo de tempestades que pode ter várias centenas de quilómetros de extensão e afectar vastas regiões. Em última análise, a DANA atua como um catalisador para a formação de um CCM, transformando um sistema de trovoadas numa estrutura organizada e duradoura com potencial para causar impactos meteorológicos severos.
Em Portugal
Este evento meteorológico está a influenciar as condições meteorológicas em Portugal, criando um cenário de instabilidade atmosférica favorável à formação de células convectivas, especialmente nas regiões do Alentejo e do Centro. A previsão indica que estas células convectivas podem desenvolver-se nas próximas horas e nos próximos dias, gerando precipitação e trovoada. No entanto, espera-se que o impacto desta DANA em Portugal seja menos intenso do que o registado nos últimos dias em Espanha, onde ocorreram chuvas torrenciais e inundações graves.
Embora a estrutura da depressão em Portugal seja semelhante à que provocou tempestades severas em Espanha, a intensidade dos seus efeitos é relativamente menor. Um dos principais fatores para esta diferença está na localização e na temperatura do mar. Na costa leste da Península Ibérica, o mar Mediterrâneo desempenha um papel importante ao fornecer uma grande quantidade de ar quente e húmido, especialmente após este verão, quando as temperaturas do mar ainda estão elevadas. Em Espanha, esta influência do Mediterrâneo intensificou a quantidade de energia disponível para alimentar as células convectivas, resultando em precipitações muito elevadas e inundações.
Estragos causados em Espanha associados à instabilidade atmosférica – Fotografia de Jorge Guerreiro
Por outro lado, em Portugal, a DANA não tem a mesma influência direta do Mediterrâneo. A proximidade do Oceano Atlântico, que nesta altura do ano apresenta águas mais frias do que o Mediterrâneo, reduz a quantidade de calor e humidade disponíveis na atmosfera. Com menos humidade e calor na superfície, a intensidade das células convectivas é também menor, o que resulta numa diminuição da severidade das tempestades associadas a esta DANA. Este efeito significa que, embora a DANA atual crie condições para a formação de trovoadas e aguaceiros, a probabilidade de ocorrência de chuvas intensas e prolongadas é reduzida em comparação com o que aconteceu recentemente em Espanha.
Outro fator relevante é a topografia. Em Portugal, o relevo não apresenta tantas áreas de acumulação de ar quente em altitude como em algumas regiões montanhosas de Espanha. Isso significa que a circulação de ar frio e quente se processa de maneira menos intensa e organizada, o que limita o desenvolvimento de células convectivas de grande intensidade. Em regiões de relevo acentuado, o ar quente é forçado a subir rapidamente, o que pode intensificar as tempestades; no entanto, em áreas mais planas, o movimento ascendente do ar é mais gradual, limitando a intensidade dos fenómenos convectivos.
Este fenómeno extremo já aconteceu em Espanha?
A resposta é sim! Em outubro de 1982, Espanha sofreu uma das catástrofes mais graves ligadas a uma DANA (Depressão Isolada em Níveis Altos), que levou a inundações devastadoras na região de Valência. Conhecido como o desastre da barragem de Tous, o evento foi marcado por chuvas torrenciais que sobrecarregaram a barragem até ela romper, libertando um fluxo catastrófico de água de 16.000 m³/s. Cidades nas proximidades, como Carcaixent e Alzira, viram níveis de água ultrapassarem os quatro metros, destruindo infraestruturas e afectando milhares de pessoas.
O desastre de Tous em outubro de 1982 foi um dos episódios mais graves causados por uma DANA em Espanha. Nesta altura, a depressão em níveis altos trouxe chuvas torrenciais para a região de Valência, onde o rompimento da barragem de Tous gerou uma enchente devastadora, com o rio Júcar a atingir níveis históricos.
O evento de 1982 ilustra o potencial destrutivo de uma DANA quando associada a condições de forte instabilidade atmosférica e à topografia complexa da região, que amplifica a intensidade das chuvas localizadas. Em Valência e em outras áreas mediterrâneas, onde a circulação atmosférica tende a canalizar massas de ar quente e húmido em direção ao interior, a formação de células severas é comum durante o outono, com risco aumentado em anos de elevada evaporação do mar Mediterrâneo.
Sugerimos o acompanhamento em tempo real nas plataformas digitais do IPMA, Proteção Civil e do André do Tempo.
1 comentário